Porque não conseguimos manter “hábitos”

Manter hábitos é fácil… Difícil é criá-los.
Admito que tenho commitment issues em demasiados aspectos da minha vida - demoro demasiado tempo a comprometer-me com uma série na Netflix, com um carrinho de compras online, com este blog e por vezes, até com pessoas. Desde o momento em que penso que quero algo até ao momento em que aceito publicamente que quero algo, derretem 3 icebergs na Gronelândia.

Custa-me comprometer porque fazê-lo é abrir a porta à possibilidade de falhar por
  1. não conseguir chegar onde quero
  2. não conseguir dedicar-me o suficiente
  3. não conseguir dedicar-me tempo suficiente, isto é, por não conseguir introduzir esse hábito na minha vida

Por muito fácil que possa ser aderir a novos “hábitos”, manter o compromisso e sustentá-los ao longo do tempo é um grande problema não só para mim como para a maioria dos seres humanos - e as listas de resoluções de ano novo falhadas estão cá para nos lembrar da nossa condição.

Porque não conseguimos manter "hábitos"

A resposta está na forma como o nosso cérebro cria hábitos. Mas primeiro, temos de definir o que são, afinal, os hábitos.
Os hábitos são um tipo de comportamento. Os comportamentos em si podem ser de duas naturezas:
  • goal directed, isto é, surgem da vontade de atingir um objectivo
  • stimuli driven, que acontecem em resposta a um gatilho
Os primeiros, são meras acções e os segundos, hábitos.
Todos sabemos que é preciso muito mais força de vontade para iniciar uma tarefa como por exemplo, criar um hábito de leitura, do que para cumprir um hábito como pegar no telemóvel assim que abrimos os olhos para um novo dia. 
A diferença na força de vontade necessária existe porque no primeiro caso, falamos de um comportamento goal directed - “eu quero treinar para ter abdominais no verão” - e o segundo é um hábito que, muitas vezes, nem sabemos que temos. Não decidimos sobre ele e o nosso cérebro não perde muito tempo e energia a conectar o neurónio Manuel com o José para que o nosso dedo indicador desbloqueie o telemóvel - isto porque a conexão nervosa já existe e ativá-la é simples e pouco dispendioso. Pegar no telemóvel é um comportamento que temos mesmo em modo piloto-automático.

Quando dizemos que não conseguimos manter “hábitos” estamos a atirar areia para os olhos. Nós conseguimos manter hábitos. O nosso cérebro é expert em fazê-lo, em criar conexões neuronais para comportamentos que temos frequentemente e em situações específicas para assim poupar capacidade de decisão e focar-se em tarefas mais complexas.

A ciência de criar hábitos

Indo mais além - a parte do cérebro que usamos para desempenhar uma tarefa, o córtex pré-frontal (CPF), deixa de ser usada quando essa tarefa se torna um hábito, libertando o CPF para outras actividades. E por isso é que conseguimos fazer algum multi-tasking como por exemplo, falar enquanto andamos de bicicleta.

Portanto, o nosso problema não é manter hábitos, mas sim criá-los, isto é, manter esses comportamentos durante o tempo necessário para que eles se tornem hábitos.

Ou seja, o truque para sustentar um comportamento durante muito tempo é torná-lo um hábito. Pronto. Resolvido, certo?

O verdadeiro problema dos "hábitos"

O problema só não está resolvido porque criar um hábito é a parte mais difícil.

Recapitulando - um hábito é um conjunto de conexões nervosas que o nosso cérebro estabelece e guarda
Não o faz aleatoriamente, mas sim quando percebe que é preferível perder algum tempo e energia uma vez a guardar esta conexão nervosa do que a criá-la constantemente e diariamente quando ela é requisitada. Fá-lo quando a conexão é requisitada tantas vezes que ele se cansa de andar sempre a repetir o mesmo trabalho. Como quando vocês se cansam de escrever tantas vezes o mesmo e-mail que perdem algum tempo a criar um template que podem, a partir daí, rapidamente usar para responder a vários e-mails.

Para tornar algo num hábito, é preciso repetir essa tarefa vezes sem conta até ao nosso cérebro decidir que está na altura de guardar a conexão nervosa e permitir que ela se estabeleça mesmo em piloto-automático. E isso pode demorar 21 dias... ou um ano… Um ano de repetição constante da mesma tarefa.

Por isso é tão difícil tornar as morning pages num hábito - porque repetir esta acção de forma consistente e prolongada todas as manhãs requer um investimento de energia, força de vontade e tempo. Um investimento que só terá retorno a longo prazo, o que por si é razão suficiente para que percamos a motivação no final da primeira semana.

No entanto, estabelecer o hábito de desbloquear o telemóvel para abrir o Instagram todas as manhãs não pareceu uma tarefa tão árdua...
Será que não há uma forma de criar hábitos saudáveis como criamos, acidentalmente, certos maus hábitos?

Há. Existe uma forma de hackear o nosso cérebro para acelerar o processo de formação de um hábito.

Hackear os hábitos ou como criar hábitos novos

Imaginando que queremos deixar de clicar no snooze (por sabermos o quão mau isso é para o nosso cérebro) e sair da cama uns minutos mais cedo, podemos potenciar a formação deste novo hábito com:
  • um gatilho - algo que accione a realização da tarefa. Para evitarmos carregar no snooze todas as manhãs, podemos deixar o telemóvel na outra ponta do quarto, obrigando-nos a levantar para desligar o despertador
  • uma recompensa - algo que recebemos em troca de termos realizado a tarefa. Se sairmos da cama mais cedo, temos direito a pôr uma colherada extra de manteiga de amendoim nas nossas papas de aveia.
Com o tempo, esta recompensa que associamos ao hábito vai ser fundamental para que ele se forme. O nosso cérebro, ao antecipar a recompensa, vai criar um desejo que servirá de motivação extra à realização da tarefa.

Criar hábitos não é fácil mas com uma pitada de força de vontade e estes truques, é possível melhorar a nossa taxa de adesão às nossas resoluções. Tudo o que precisas é de um objectivo e o approach certo.

Que objectivo tens na tua lista que poderias transformar num hábito diário?

Para mim, é escrever. Comprometer-me com este blog sempre foi difícil porque nunca pensei em olhar para a escrita de posts como um hábito. Ideias e vontade nunca me faltaram mas a concretização falhou por não conseguir sustentar a escrita frequente e durante muito tempo. According to science, só precisava de tornar a escrita um hábito. E é isso que vou tentar fazer e vou partilhar convosco a minha estratégia.

 A minha estratégia:
  • o hábito - escrever para o blog
  • o gatilho - ligar o computador pela manhã e abrir o Google Docs
  • a recompensa - poder tomar o pequeno almoço apenas quando tiver escrito 300 palavras
Sim, esta reflexão é o motto para o meu regresso a este blog e a frequência da sua atualização irá, daqui para a frente, atestar o seu sucesso. 

E tu, que o objectivo tens na tua lista que poderias transformar num hábito diário com uma estratégia semelhante?

Feel free para partilhar comigo a tua estratégia nos comentários para que possamos comprometer-nos em conjunto com a nossa resolução. 



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